Pais heróis e mães rainhas do lar. Passamos boa parte da nossa existência, cultivando estes esteriótipos. Até que, um dia, o pai herói começa a passar o tempo todo sentado, resmungando baixinho e puxando uns assuntos sem pé nem cabeça. A rainha do lar começa a ter dificuldade de concluir as frases e dá prá implicar com a empregada.
O que papai e mamãe fizeram para caducar de uma hora para outra? Fizeram 70 anos. Nossos pais envelhecem. Ninguém havia nos preparado para isso. Um belo dia, eles perdem o garbo, ficam mais vulneráveis e adquirem umas manias bobas. Estão cansados de cuidar dos outros e de servir de exemplo: agora chegou a vez de eles serem cuidados e mimados por nós, nem que, para isso, recorram a uma chantagenzinha emocional.
Têm muita quilometragem rodada e sabem tudo e o que não sabem eles inventam. Não fazem mais planos a longo prazo, agora dedicam-se a pequenas aventuras, como comer escondido tudo o que o médico proibiu. Estão com manchas na pele. Ficam tristes de repente. Mas não estão caducos: caducos ficam os filhos, que relutam em aceitar o ciclo da vida.
É complicado aceitar que nossos heróis e rainhas já não estão no controle da situação. Estão frágeis e um pouco esquecidos, têm este direito, mas seguimos exigindo deles a energia de uma usina. Não admitimos suas fraquezas, seu desânimo. Ficamos irritados, se eles se atrapalham com o celular e ainda temos a cara-de-pau de corrigi-los quando usam expressões em desuso: calça de brim? frege? auto de praça?
Em vez de aceitarmos, com serenidade, o fato de que as pessoas adotam um ritmo mais lento, com o passar dos anos, simplesmente, ficamos irritados por eles terem traído nossa confiança, a confiança de que seriam indestrutíveis como os super-heróis.
Provocamos discussões inúteis e os enervamos com nossa insistência para que tudo siga como sempre foi. Essa nossa intolerância só pode ser medo. Medo de perdê-los e medo de perdermos a nós mesmos, medo de também deixarmos de ser lúcidos e joviais. É uma enrascada esta tal de passagem do tempo.
Nos ensinam a tirar proveito de cada etapa da vida, mas é difícil aceitar as etapas dos outros, ainda mais quando os outros são papai e mamãe, nossos alicerces, aqueles para quem sempre podíamos voltar e que, agora, estão dando sinais de que um dia irão partir sem nós.
Martha Medeiros
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